(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte deste artigo)
A auto-estrada permite, geralmente, um encurtamento dos tempos de deslocação. E é fundamentalmente este factor que conduz a uma aceitação tão generalizada do investimento milionário que tem sido realizado nas auto-estradas em Portugal. Não é por acaso que a diminuição dos tempos de deslocação é repetida até à exaustão nos documentos nos quais se descreve a análise custo/benefício da infra-estrutura (a comparação, como sempre, é efectuada em relação à realidade preexistente).
Se transformássemos toda a rede viária principal do país (mais de 8 500 quilómetros) em auto-estradas, a satisfação dos utilizadores aumentaria em proporção equivalente: chegaríamos mais rapidamente a qualquer ponto do território continental. Mas seria, evidentemente, um completo absurdo - tal como seria absurdo cobrir todo o país com linhas ferroviárias de alta velocidade.
Ora, se entre a auto-estrada e a estrada a diferença de custos é grande, o ganho relacionado com o encurtamento dos tempos de viagem não parece ser muito significativo.
A diminuição dos tempos de deslocação nas auto-estradas está relacionada com o aumento da velocidade máxima permitida, com a inexistência de cruzamentos de nível e com a existência de pelo menos duas faixas de rodagem. A diferença entre a auto-estrada e a via rápida depende, sobretudo, do volume de tráfego, mas numa estrada com as características do referido troço do IP2 é aceitável considerar que a auto-estrada permitiria uma velocidade média de circulação superior em 20 km/h. No caso da auto-estrada Amarante-Bragança, por exemplo, os estudos prévios realizados apontaram para um aumento de 25 km/h, mas por compararem a nova auto-estrada com o actual IP4, que tem alguns troços lentos.
É sabido que, em auto-estrada, se o automobilista (de veículo ligeiro) não exceder a velocidade máxima permitida [e não se pode, obviamente, partir de outro pressuposto], mas tentar circular a essa velocidade, percorrerá, na melhor das hipóteses, uma média de 100 km por hora (se não fizer paragens); da mesma forma, numa via rápida, se tentar circular à velocidade máxima, a sua velocidade média de circulação não será, por regra, superior a 80 km/h.
[note-se que, em qualquer caso, a velocidade média de circulação diminui quanto mais curta for a distância a percorrer]
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Assim [e mesmo esquecendo factores como o maior afastamento das auto-estradas relativamente às cidades que elas servem, a eventual paragem nas praças de portagem e outros que também implicam perdas de tempo]:
- num percurso de 20 quilómetros (Fundão-Covilhã, por exemplo), o automobilista demorará 12 minutos em auto-estrada e 15 minutos em estrada: a diferença é de apenas 3 minutos;
- num percurso de 50 quilómetros (de Évora a Estremoz, por exemplo), demorará 30 minutos em auto-estrada e 37 minutos em estrada: a diferença é de apenas 7 minutos;
- num percurso de 100 quilómetros (da Guarda a Castelo Branco, por exemplo) demorará 1 hora em auto-estrada e 1 hora e 15 minutos em estrada: a diferença é só de 15 minutos;
- num percurso de 200 quilómetros (de Bragança ao Porto, por exemplo), demorará 2 horas em auto-estrada e 2 horas e meia em estrada: a diferença é de apenas meia hora.
É claro que para maiores distâncias, as diferenças de tempo aumentam:
- uma viagem de 400 quilómetros (Lagos-Castelo Branco, por exemplo) demoraria mais uma hora em estrada do que em auto-estrada;
- num percurso de 600 quilómetros (de Vila Real a Faro, por exemplo), a diferença seria já de uma hora e meia.
Note-se, no entanto, que estes dois casos pressupõem que nenhuma parte do percurso mais lento seria percorrida em auto-estrada, o que, diga-se, só seria altamente provável se o país não tivesse quaisquer auto-estradas: as diferenças serão, por isso, por regra menores do que as indicadas.
Abstraindo deste pormenor, dir-se-á que sendo a auto-estrada o tipo de estrada mais rápida que existe, ela é, precisamente, mais necessária quando é preciso vencer grandes distâncias.
Mas com que frequência é que os portugueses se deslocam, em Portugal, 400, 500 ou 600 quilómetros de automóvel?
Esta questão é normalmente omitida quando se propagandeia até à exaustão a poupança de tempo decorrente da utilização da auto-estrada – mas é, obviamente, uma questão importante.
Ora, paradoxalmente, alguns estudos têm indicado que em Portugal as auto-estradas são sobretudo utilizadas para percorrer distâncias curtas.
Tomando como exemplo o corredor Lisboa – Porto, verifica-se que [dados de 2003] as deslocações curtas eram (mais de) cinco vezes superiores às deslocações de média e longa distância. Um estudo de tráfego da Brisa divulgado na comunicação social há não muito tempo apontava no mesmo sentido: o grosso dos utilizadores da auto-estrada A1 não percorre médias e longas distâncias, mas sim deslocações curtas, ao longo de toda a auto-estrada (e, curiosamente, quanto maior é a distância, mais os portugueses preferem o comboio à auto-estrada – ver adiante).
Ora, se de facto assim for, terá de se concluir que os ganhos de tempo na generalidade dos percursos feitos por auto-estrada, por comparação com o tempo que os mesmos percursos demorariam a fazer em estrada, são pouco significativos, tornando mais pertinente que se questione a opção muito mais cara da auto-estrada. O encurtamento dos tempos de trajecto tem sido (a par da diminuição da sinistralidade) o principal motivo invocado pelo Estado para construir novas auto-estradas. Faz sentido encher-se o país de auto-estradas para permitir à generalidade dos automobilistas poupanças de poucos minutos nos trajectos que eles normalmente fazem? Insista-se: não estamos a considerar a realidade de um país rico.
[nota: o exemplo do corredor Lisboa-Porto foi apenas isso: não estamos a sugerir que não devesse ter sido construida a A1, que é a auto-estrada com maior volume de tráfego]
Vamos, ainda assim, abstrair do que acabámos de dizer. Em que é que se traduz o benefício da poupança de tempo da viagem em auto-estrada relativamente à viagem em estrada? Os quinze minutos que se poupam numa viagem de 100 quilómetros significam exactamente o quê?
Temos de distinguir consoante o tipo de utilizador. No último inquérito de satisfação da Brisa, concluiu-se que 50% dos utilizadores das auto-estradas [as geridas por aquela empresa] que foram inquiridos viajavam em férias ou em lazer e 48% em deslocação de / para o trabalho ou em deslocação profissional. Se é verdade que não é possível extrapolar estes dados, eles darão, ainda assim, uma ideia de que para uma parte bastante significativa dos utilizadores da auto-estrada a poupança de tempo nas deslocações não constitui mais do que uma comodidade.
Sobra, no entanto, o outro grupo de utilizadores.
Relativamente às viagens diárias de casa para o trabalho e vice-versa, será legítimo pressupor que, como regra, elas não implicam ganhos de produtividade, isto é, que o tempo ganho nas deslocações não é utilizado a trabalhar: o automobilista terá, simplesmente, mais tempo disponível para fazer outras coisas, o que se traduz numa maior qualidade de vida. Isto esquece, de qualquer modo, duas coisas: primeiro, que nesse tipo de viagens – geralmente curtas - os tempos poupados por se viajar em auto-estrada são, por regra, mínimos; segundo, que, sobretudo nas zonas urbanas, hoje é incontestável que nesse tipo de deslocações se devem privilegiar meios de locomoção mais sustentáveis, nomeadamente o transporte público.
Nas deslocações profissionais, devemos voltar a distinguir: em primeiro lugar, temos as deslocações em serviço em viatura particular (por exemplo, eu, Joana Roque Ortigão, desloco-me a Viseu de automóvel por motivos profissionais) e o transporte de mercadorias em veículos comerciais ligeiros (neste último caso, sujeito a um limite máximo de velocidade de 110 km/h nas auto-estradas). Nestes casos, o ganho de tempo traduz-se num incontestável valor económico.
Mas – e isto é frequentemente esquecido – pelos menos parte desse ganho económico é anulado pelos maiores custos inerentes à utilização da auto-estrada, já que:
a) a partir dos 60/70 km/h, os custos de operação dos veículos crescem com o aumento da velocidade de circulação – implicando, nomeadamente, um acréscimo de despesas de combustível (o carro "gasta mais" a 120 km/h do que a velocidades inferiores);
b) as auto-estradas são pagas (ao contrário do que sucede com as estradas), e as portagens agravam significativamente os custos de deslocação;
c) as auto-estradas implicam, por regra, a realização de percursos mais extensos (devido, por exemplo, ao muito menor número de saídas), o que, mais uma vez, implica um aumento de custos.
(não são aqui considerados acréscimos de custos eventuais, como por exemplo o preço mais elevado dos combustíveis nas áreas de serviço das auto-estradas, os preços exorbitantes das áreas de serviço ou o que se paga a mais em caso de avaria do veículo numa auto-estrada)
Em segundo lugar, temos os veículos pesados – quer os veículos pesados de passageiros, quer os de mercadorias. É em especial quanto a estes últimos veículos que usualmente se invoca o benefício da auto-estrada para a economia, na medida em que a auto-estrada permitiria uma circulação mais rápida das mercadorias.
Curiosamente, no entanto, se é verdade que são os veículos pesados que maiores distâncias percorrem, é relativamente a eles que menos se justificam as auto-estradas (considerada a alternativa das vias rápidas): um veículo pesado de passageiros pode circular, no máximo, a uma velocidade de 100 km/h numa auto-estrada e para um veículo de mercadorias esse limite baixa para 80 km/h (veículo com reboque) ou 90 km/h (sem reboque).
Por outro lado, o aumento de custos associado à utilização da auto-estrada (como referido acima para os veículos ligeiros) é, neste caso, agravado, devido, sobretudo, ao pagamento de portagens mais elevadas.
Não significa tudo isto que não exista um ganho económico, considerados todos os factores relevantes. Poderá é tratar-se de um ganho com bastante menor significado do que aquele que poderia parecer à primeira vista - resultado, mais uma vez, de apenas se comparar a auto-estrada com a situação preexistente e não com a alternativa de uma boa estrada.
Por outras palavras, o benefício do ganho de tempo existe - e é a principal vantagem da auto-estrada. Mas num país com dificuldades económicas, é legítimo questionar se a dimensão desse benefício justifica o investimento faraónico realizado.
(continua)
Nota: este artigo não pretende, obviamente, constituir um estudo de custo / benefício das auto-estradas portuguesas. São apenas algumas reflexões, feitas por uma leiga (seguramente com falhas de análise), e não passam disso.