Passagens de peões da nossa terrinha [10] / Uma rua na cidade [3]

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Imagem do Google
(como todas as restantes imagens de satélite mostradas neste artigo)
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Observa-se esta imagem de satélite do Largo do Rato, em Lisboa, e percebe-se imediatamente que estamos perante uma praça inteiramente dominada pelo automóvel. Uma praça onde, em alguns locais, os diminutos espaços pedonais quase chegam a parecer um depósito de mobiliário urbano pelo meio do qual também passam pessoas. Muitas pessoas, por sinal (os utilizadores da estação de metro - terminal - do Rato são cerca de 20 mil por dia). Tratadas de forma absolutamente miserável pela cidade.
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Mais difícil de perceber como é que esta praça chegou a este estado aberrante é entender como é que, na segunda década do século XXI, ela ainda continua assim.
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São nove as ruas que entroncam no Largo do Rato, e aquele absurdo mar de asfalto que inunda a praça foi a forma encontrada de «facilitar» a circulação automóvel entre esses arruamentos, sempre que possível sem prescindir de várias vias de circulação. Resolvida essa preocupação básica, essa prioridade, os espaços pedonais foram depois concebidos em função da solução encontrada, condicionados por ela.
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Olhando para fotografias antigas desta praça – de qualquer época da primeira metade do século XX –, constata-se que ela nunca foi propriamente generosa em espaços exclusivamente pedonais. Todavia, enquanto o automóvel não se impôs na cidade, as pessoas circulavam mais ou menos livremente por todo o largo, atravessando-o em todas as direções, como bem mostram essas fotografias.
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A situação hoje é radicalmente diferente e por toda a praça existem barreiras físicas à circulação de pessoas, nomeadamente gradeamentos e muros: ao mesmo tempo que se foram delineando soluções para facilitar a circulação dos automóveis, foram-se colocando barreiras físicas para dificultar a circulação dos peões.
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O conjunto de atravessamentos pedonais existentes nesta praça mostra na perfeição como pode uma cidade subjugar-se ao automóvel e secundarizar a circulação pedonal.
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Alguns exemplos ilustram-no:
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ATRAVESSAMENTO 1
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O primeiro absurdo, encontramo-lo no atravessamento da Rua da Escola Politécnica, junto à praça (seta amarela na imagem seguinte).
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São poucos metros de travessia. Um pulinho.
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Mas, para facilitar a circulação automóvel, o atravessamento está vedado aos peões e, para garantia de que estes não atravessam a rua, foi colocado gradeamento, suficientemente alto para inibir as pessoas de o transpor.
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O atravessamento tem de fazer-se no odioso “C”, aproveitando os locais onde o automóvel tem de parar para deixar passar outros automóveis…
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…e o peão, em vez de atravessar uma rua de poucos metros de largura, é forçado a atravessar três passagens de peões com semáforos.
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Nunca diga que é difícil encontrar coisa mais absurda: em Lisboa, estamos sempre a encontrar coisas mais absurdas do que aquelas que julgávamos serem as mais absurdas.
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ATRAVESSAMENTO 2
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Esta mãe que transporta um bebé num carrinho...
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[que ocupa praticamente toda a largura do passeio: para o carrinho passar, tive de parar e de me encostar, encolhida, à fachada do prédio]
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...dirige-se àquela rua mesmo em frente: um percurso feito por muitas pessoas para irem, por exemplo, a um supermercado de bairro (ou para um jardim).
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Repare-se como as duas ruas são praticamente a continuação uma da outra, quase em linha reta.
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Houve um tempo em que as pessoas que se deslocavam entre estas duas ruas faziam-no sem necessitarem de fazer desvios:
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Imagem do arquivo fotográfico municipal de lisboa
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Hoje, isso não é possível: temos este atravessamento vedado aos peões (e só essa proibição impede a travessia da praça neste local):
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E este atravessamento mais direto também não é permitido aos peões:
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O desvio que os peões são forçados a fazer, só porque aqueles dois atravessamentos lhe estão vedados, não é muito escandaloso (escandaloso é o tempo que o semáforo fica verde para os peões)…
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…mas para quem tem dificuldades de mobilidade, ou para quem transporta sacos de compras do supermercado (por exemplo), é um desvio irritante – e que poderia ser evitado, se não fosse a preocupação em dar prioridade às deslocações em automóvel.
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Na imagem seguinte, compare-se o percurso que o automóvel faz (a verde) e o percurso do peão (a vermelho).
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(devido à sua extensão, este artigo tem uma segunda parte: clique aqui para continuar)
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